Artigo: O que é a vida?

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Por: Rodrigo Segantini*

O showman Antonio Abujamra apresentava um programa de entrevistas na TV Cultura chamado Provocações. Centenas de pessoas das mais diferentes matizes se sentaram na frente daquele gigante e enfrentaram com certo medo suas perguntas incisivas e perturbadoras, pronunciadas concatenadamente e de forma milimétrica para parecerem mais profundas. A última questão que fazia a seus convidados era: “O que é a vida?”. Independentemente da resposta prestada, ele repetia a indagação, causando um evidente desconforto ao entrevistado, que tentava então dar um retorno melhor do que o anterior. O entrevistador, no entanto, redarguia sua vítima, repetindo de novo “O que é a vida?” mais uma ou duas vezes, até que ficasse claro que o sujeito não sabia, de fato, o que é a vida, sugerindo que tudo até ali era uma farsa, uma tragédia ou uma comédia.

Dona Floripes, uma pessoa muitíssimo querida por mim e por todos que a conheceram, partiu recentemente. Embora já estivesse com certa idade e com problemas de saúde, sua passagem causou muita comoção. A grande verdade é que não estamos preparados para nos separarmos das pessoas que amamos. Portanto, não importa como, quando e de que forma alguém nos deixa, ficamos aflitos e remoendo sentimentos, cozinhando em saudade. E, invariavelmente, um vazio indevassável parece tomar conta de tudo, tirando qualquer sentido de todas as coisas a nossa volta e deixando para trás apenas a pergunta de Abujamra: O que é a vida?

Por que vivemos se é para ao final acabarmos? Por que vivemos se no final o que sobre é a nossa miséria? O que é a vida se não uma sequência de agoras, uma soma de instantes, que apenas subtrai o tempo sem dar nada em troca?

A vida é o que acontece. A vida é o intervalo entre o momento que chegamos e o momento que partimos. Então, vida é o que fica e, enquanto essa vida ficar entre nós, não morremos de verdade. Seguimos sendo aquilo que acontece na batida do coração de cada um que ficar e, enquanto ficar, seguir pensando em nós com carinho. Partimos, mas não levamos a vida, nem a nossa. Deixamos a vida entre aqueles que ficam por aqui enquanto partimos. Tornamo-nos mais um dos instantes que serão somados ao tempo, sem dar nada em troca.

Dona Floripes teve uma vida virtuosa. A despeito de todas as adversidades que a vida lhe impôs, ela conseguiu perseverar e se manter firme em seu caráter, criou seus filhos com honradez e dignidade. Formou uma família exemplar, inspirou todas as pessoas que a conheceram e seu legado seguirá perpetuado entre todos que a conheceram. Temos que louvar ao Senhor por ter permitido, por sua Santa Piedade e Misericórdia, que ela tenha tido uma vida longeva e uma passagem tranquila, certamente como reconhecimento por tudo o que ela fez e foi.

Por mais que a tristeza de sua partida possa dominar nossos corações, a esperança do reencontro e a certeza de que ela está descansando no Senhor deve nos trazer a serenidade necessária para superarmos esse momento, não sem saudade, mas enfim confortados. Mais respeito teremos por sua memória se, ao invés de derrubarmos lágrimas de tristeza, acalentarmos nossos corações com a alegria das melhores recordações. Se ela não estará mais por aqui, sua lembrança para sempre estará enquanto houver alguém que sorrir ao falar a respeito dela.

Quando penso “o que é a vida?”, sinceramente, como um entrevistado diante de Antonio Abujamra no programa Provocações, sinto aflição por não saber o que responder com a certeza necessária. Mas, sem temer o olhar frio do entrevistador que me fita, caso eu recebesse esse petardo em forma de interrogação, buscaria exemplos práticos para poder esclarecer meus argumentos e um deles seria fundamentado na dona Floripes.

Vida é o que fica depois que tudo acaba. E o que fica de dona Floripes é sua lição de amor, de temperança, de paz e de bondade. Porque, na verdade, nada acaba. No final, todos nos reencontraremos. Quando nos reencontrarmos, pode ser que vamos encontrar dona Floripes recebendo um abraço de Antonio Abujamra, satisfeito com a resposta que ela tiver dado à sua questão fatal.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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